quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Manifestações ou Aceite a Si Mesmo

Buda disse que sofrimento é uma Nobre Verdade. É algo nobre. E temos tanto medo de sofrer, estamos desejando tanto ser feliz, porque não nos conhecemos, desconhecemos nossa alegria, desconhecemos nossa tristeza. Temos somente idéias sobre elas, não as conhecemos realmente. Você apenas tem idéias sobre si mesmo; você não se conhece realmente. Você pode dizer que infelicidade, sofrimento, é também um tipo de felicidade, pois tem a capacidade de lhe ensinar, de lhe ajudar a compreender o verdadeiro valor da vida, o verdadeiro valor da felicidade, o verdadeiro valor do amor, o verdadeiro valor da paciência, o seu verdadeiro valor. Se não consegue sentar-se com o seu sofrimento, você ainda não conhece a si mesmo. Você não sabe quem você é. Você não sabe quem você é. Você ainda não compreendeu a primeira Nobre Verdade ensinada por Buda, nosso professor.

Eu gostaria de desenhar nossa mente [Desenha um círculo] Esta é a nossa mente. Sabemos que a nossa mente tem, pelo menos, dois níveis. [Ele divide o círculo em dois níveis: superior e inferior] Então sua mente tem dois níveis. Um nível é o nível das manifestações e um nível nós o chamamos de nível raiz ou consciência raiz, mulavijñana, a consciência raiz. E neste nível, você tem muitos tipos de sementes. A semente da raiva, a semente do amor, a semente da depressão, a semente da esperança, a semente da alegria, a semente das mágoas, a semente da felicidade - felicidade é uma semente - a semente da infelicidade, a semente da dúvida. Isto é o seu eu. Você tem tudo. Você tem tudo.

E de tempos em tempos a semente se manifesta neste nível como uma flor, como por exemplo, o sentimento de alegria. O amor pode se manifestar. A raiva pode se manifestar. Praticar é ser capaz de reconhecer estas manifestações, que as chamamos de formações mentais... Quando um sentimento feliz está presente no nível superior o chamamos de formação mental. Quando retorna, o chamamos de semente.

Onde você pode se encontrar? Você pode se encontrar nas suas formações mentais. O erro que cometemos é pensar “eu conheço minhas formações mentais”, “eu conheço minha raiva”. De fato, sua raiva quando está se manifestando no nível superior é sempre uma nova manifestação. Não se esqueça disto. Algumas pessoas dizem “nunca mais vou ficar com raiva; agora estou praticando muito bem e nunca mais ficarei com raiva”. Eu penso que estas pessoas não são boas praticantes. Não acho que sejam bons praticantes. É melhor dizer “toda vez que a minha raiva está se manifestando eu consigo reconhecê-la”. É muito melhor! Soa muito melhor, porque você não vive em ignorância.

Não pense que raiva é algo negativo. Quando a pessoa diz “nunca mais ficarei enervado”, isso mostra que àquela pessoa acredita que a raiva é algo negativo. “Eu pratico tão bem, então sorrio todo dia, sou muito feliz. Nunca estou furioso, portanto sou um bom praticante.” Isto é uma idéia que você tem de si mesmo. O seu eu não é assim. Você é uma manifestação, e sua raiva é uma manifestação. Sua raiva só é destrutiva, só é perigosa quando você não a enxerga. Ela só consegue ser destrutiva quando você não compreende sua raiva e não se compreende. Você não enxerga sua raiva porque você não se aceita, não se conhece. Você não tem compreensão de si mesmo. Você quer excluir a raiva de dentro de si.

Desta forma, você não quer que aquilo esteja ali. [Ele apaga o desenho da flor representando a raiva] Mas o que você desconhece é que ela está sempre lá embaixo, quer você queira ou não. Ela sempre está lá na sua consciência raiz, você não consegue excluí-la do nível da consciência raiz. Normalmente as pessoas, não praticantes, pensam em si mesmas como sendo apenas este nível [o superior] e fazem uma discriminação: “Ok, eu quero amor, quero esperança; eu não quero raiva, depressão.” Elas excluem a outra metade delas mesmas. Porque pensam “isto sou eu, e quero excluir o que é negativo e manter o que é positivo.”

Então, mesmo que seu amigo diga “você está furiosa”, você diz “não estou furiosa”, porque não quer aceitar aquilo. Pois acredita que consegue excluir a raiva. O fato, a verdade é que você não consegue excluí-la. Você pode ignorar a manifestação, mas não consegue excluí-la. E se você ignora uma manifestação, isto não é inteligente. Não é inteligente. Quando você ignora uma manifestação, ignora a si mesmo, e vive em ignorância. Você não se vê. Você também está se discriminando. É muito doloroso discriminar-se. Você sabe o quão doloroso é quando as pessoas lhe discriminam? Mas a dor mais profunda ocorre quando você discrimina a si mesmo.

Esta é a sua maior dor. Este é o seu maior sofrimento, quando discrimina a si mesmo. Fazemos isto por acreditar que podemos excluir as manifestações. Isto não é verdade. Você não quer olhar para ela, mas ela ainda está lá. Você não quer que se manifeste, mas ela continua se manifestando - quer você queira ou não, ela continua se manifestando, pois esta lá como semente na consciência raiz.

Portanto, o primeiro erro que cometemos é discriminarmos nós mesmos, por acreditar que somos apenas a consciência manifesta. Somos mais do que a consciência manifesta. Somos também a consciência raiz. Quando você cuida bem da flor, você cuida bem da terra. Quando você cuida bem da terra, você cuida bem da flor. Quando a raiva está se manifestando ela está lhe dizendo algo. Cuidar bem da sua raiva, cuidar bem da flor é remover a sua tendência de discriminar a si mesmo.

E você aceita e diz: “estou furioso e sofro; o sofrimento está se manifestando”. Sentimento desagradável e alegre está se manifestando com sua raiva... tudo bem, estar ali... e, ao mesmo tempo, com a sua raiva. E você consegue reconhecer sua raiva e consegue reconhecer seu sentimento de infelicidade. Não pense que você já se conhece. Não pense isto. Você reconhece isto e aprende a compreendê-lo. A primeira Nobre Verdade é sofrimento, e não pense que é negativa, porque é uma Nobre Verdade. Se fosse negativa como poderia ser chamada de “nobre”?

A segunda Nobre Verdade costumávamos dizer que é a causa do sofrimento, a causa do seu sofrimento. Eu gostaria de chamar a segunda Nobre Verdade “a raiz do sofrimento”; a raiz. Estudando a primeira Nobre Verdade, reconhecendo, aceitando, aprendendo com a raiva, você consegue ver a raiz; e pode entender seu sofrimento. Você consegue compreendê-lo. O primeiro passo, portanto, é reconhecer. O segundo passo é compreender. Quando você reconhece algo tem a chance de compreender aquilo. Você pode entender muitas coisas a partir da sua raiva. Pode ver que ela tem suas raízes lá em baixo. Assim você pára de se culpar. É apenas uma manifestação. Isso é tudo. E mais ainda: é uma bela manifestação.

Sentimento de infelicidade é apenas uma manifestação. É só isso. Mas, além disso, é uma linda manifestação. O que nós também podemos compreender estudando as manifestações e suas raízes é que a discriminação entre muitos tipos de energias só é possível no nível superior; não é possível no nível inferior, no nível raiz. No nível raiz você não consegue distinguir as coisas nitidamente assim, de forma imediata, como está desenhado. Quando cuidamos bem do sentimento de infelicidade, e quando este retorna ao nível raiz, ele tem a capacidade de nutrir o sentimento feliz e retornar de novo na forma de sentimento feliz.

O erro que cometemos é acreditar que quando a energia da raiva está se manifestando e volta a ser semente, ela fica como semente de raiva para sempre. Este é um erro que costumamos cometer – algo do tipo. Isto é produto da nossa discriminação. Neste nível [inferior] as coisas trabalham juntas. Apóiam-se mutuamente. Quando você cuida bem da sua raiva, está cuidando bem também do seu amor. A partir da sua raiva você pode aprofundar o seu amor. Então neste nível, no nível raiz, com compreensão, você vê as coisas trabalhando umas com as outras. Raiva e amor se apóiam, eles trabalham um para o outro. Cuidar bem da sua infelicidade também é cuidar bem da sua felicidade.

Então não é inteligente ignorar o que você chama de manifestações negativas. Se ignorar sua raiva, você se ignora. Se ignorar a sua raiva você ignora o seu amor. Então, onde você pode se achar? Você pode se encontrar na sua consciência, na sua consciência raiz. Você é como uma mãe que consegue abraçar todos os filhos dela, e olha para a manifestação no momento em que ela vem da consciência raiz. É uma manifestação que vem da sua consciência raiz. Mesmo que seja sua raiva, que seja o seu sofrimento, ela é ainda uma manifestação da minha consciência raiz. Ainda sou eu.

Onde você pode se encontrar? Você pode se encontrar na sua consciência raiz. Na consciência raiz você é extremamente rico. Você é muito encantador. [Sino] Se você se conhece, sente-se em casa consigo mesmo, dentro de si. Sentindo-se em casa, você não mais buscará por outra coisa externa que você não tem, porque na consciência raiz você é a Mãe Terra. Você tem tudo. E de tempos em tempos a Mãe Terra lhe oferece lindas manifestações.

Você é uma linda manifestação. Toda manhã, ao se acordar, não se esqueça de se olhar no espelho para se deleitar consigo mesmo. Você é uma linda manifestação. Você continua manifesto até o último instante da sua vida. Todo instante é uma linda manifestação. Mesmo se tiver algum sofrimento, você continua sendo uma linda manifestação da consciência raiz. Todos os seus filhos são lindas manifestações suas. Se você ouve a minha palestra de Dharma e olha mais profundamente, vê que esta é uma nova manifestação de Thây e é uma manifestação totalmente nova. É uma manifestação totalmente nova. Não é a mesma, mas vem da raiz. E você também é uma manifestação de Thây.

Você tem tudo dentro de si. Tudo o que você reconhece em Thây pode reconhecer em você. Isto significa se encontrar na consciência raiz. E nunca pense “somente Thây tem isso, eu não tenho”. Porque pratico, sei que também tenho, e sei que meus irmãos e irmãs também têm. As manifestações deles são apenas outras formas de manifestações. Mas esta é a beleza da vida. Você é uma linda manifestação. Todo dia você se torna uma pessoa inteiramente nova. Aprenda a se conhecer, volte para dentro de si e se descubra, descubra o seu verdadeiro lar, descubra o paraíso dentro de si. Existe um paraíso dentro de você. Mesmo se você encontrar a manifestação do sofrimento, da raiva, este ainda é um paraíso.

De fato, um paraíso só é paraíso quando tem sofrimento, infelicidade e raiva dentro dele. Pare de se discriminar. Esta é a dor mais profunda que você pode experimentar: discriminar-se. Discriminação contra si mesmo é a base para você discriminar outras pessoas. No momento em que você para de discriminar-se, neste momento você para de discriminar as outras pessoas que realmente lhe entristecem. Existe um lar verdadeiro dentro de você, um lar verdadeiro. Feche todas as outras portas. Praticar é deixar só uma porta aberta: a porta que lhe ajuda a voltar-se para dentro de si, para se conhecer.

Você experimenta um tipo profundo de felicidade dentro de si. E ninguém pode fazer isto por você, só você pode. Ninguém pode ajudá-lo a atingir a iluminação. A iluminação precisa ser realizada por você. “Ser iluminado” significa saber quem você é; saber o seu verdadeiro valor. Ser iluminado também significa saber o valor das pessoas que vivem conosco, saber o valor da vida, ver a beleza da vida. Isto é ser iluminado: ver a beleza da vida. Ver quão bela a vida é. A vida é bela para nós desfrutarmos cada instante, em tempos bons e também em tempos ruins. Abra somente uma porta. Feche todas as demais. Abra somente uma porta, a porta que lhe guia no caminho de descobrir quem você é; até você encontrar um lar verdadeiro dentro de si, onde você possa se sentir em casa. Existe um lindo lar, um lar maravilhoso dentro de você esperando que você retorne para desfrutá-lo. Mas só você pode fazer isto. Às vezes você não precisa de nenhuma técnica. Volte para descobrir quão belo, quão maravilhoso você é. Este é o nosso convite. Obrigado.

(palestra proferida pelo Mestre Pháp Dung, no dia 18 de dezembro de 2008 em Upper Hamlet, Plum Village)

(Traduzido por Maria Goretti)

Quando estou com raiva...

Sangha Virtual
Estudos Budistas
Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

Como salvar a sua casa

Quando alguém diz ou faz alguma coisa que nos deixa com raiva, nós sofremos. Temos a tendência de dizer ou fazer de volta alguma coisa que também provoque sofrimento na outra pessoa, na esperança de assim sofrermos menos. Pensamos: Quero punir você, quero fazer você sofrer porque você me fez sofrer. E quando eu perceber que você está sofrendo bastante, eu me sentirei melhor.”

São muitos os que acreditam nessa prática infantil. O que acontece é que, quando você faz o outro também sofrer, ele tentará sentir alívio fazendo você sofrer mais ainda. Cria-se assim um processo progressivo do sofrimento de ambas as partes. Na verdade, as duas pessoas necessitam de compaixão e ajuda. Nenhuma das duas precisa ser punida.

Quando você sentir raiva, volte-se para dentro de si mesmo e cuide dela o melhor que puder. E quando alguém fizer você sofrer, cuide do seu sofrimento e da sua raiva. Não diga nem faça nada. Qualquer coisa que você diga quando está com raiva pode causar ainda mais dano ao relacionamento. No entanto, a maioria de nós não faz isso. Em vez de nos voltarmos para dentro de nós e cuidarmos da raiva, queremos ir atrás da outra pessoa para puni-la.

Se sua casa estiver pegando fogo, a coisa mais urgente que você tem a fazer é tentar apagar o incêndio e não correr atrás da pessoa que o provocou. Esta não seria uma atitude sábia. Da mesma maneira, quando você sente raiva, se continuar a discutir com a outra pessoa, se tentar puni-la, você estará agindo exatamente como aquele que corre atrás do criminoso enquanto as chamas estão devorando a casa dele.

O Buda nos deu instrumentos extremamente eficazes para apagar o fogo que arde dentro de nós: o método da respiração consciente, o método do andar consciente, o método de abraçar nossa raiva, o método de examinar profundamente a natureza das nossas percepções e o método de observar profundamente a outra pessoa para compreender que ela também sofre muito e precisa de ajuda. Esses métodos são muito práticos e procedem diretamente do Buda.

Inspirar conscientemente é saber que o ar está entrando no corpo e expirar conscientemente é saber que o corpo está permutando ar. Assim, você fica em contato com o ar e com o seu corpo, e como sua mente está atenta a tudo isso, você fica em contato com ela também. Basta apenas uma única respiração consciente para voltar a ter contato com você e com tudo em torno, e três respirações conscientes para manter esse contato.

Quando estiver andando de um lado para outro da sala, ou de um prédio para outro, permaneça consciente do contato dos seus pés com o solo e do contato do ar à medida que ele entra e sai do seu corpo. Procure descobrir o número de passos que você pode dar com conforto enquanto inspira e quantos você pode dar enquanto solta o ar dos pulmões. Enquanto inspirar, você pode dizer mentalmente "entrando", e quando expirar, "soltando". Desta forma você estará praticando a meditação sempre que andar e, com isso, poderá transformar a vida do dia-a-dia.

Não basta ler livros a respeito de diferentes tradições espirituais ou realizar seus rituais. O importante é praticar os ensinamentos dessas tradições, porque são eles que podem nos transformar, não importa a religião ou tradição espiritual a que pertencemos. Se você procurar praticar aquilo que estou lhe ensinando, deixará de ser um mar de fogo e se tornará um lago refrescante. Seu sofrimento vai diminuir e você se tornará uma fonte de alegria e felicidade para muitas pessoas à sua volta.

Sempre que surgir a raiva, pegue um espelho e olhe para seu reflexo. Quando você sente raiva, centenas de músculos do seu rosto ficam muito tensos e você deixa de ser uma pessoa bonita. Sua face parece uma bomba prestes a explodir. Olhe para alguém que está com raiva. Quando nota a tensão nessa pessoa, você leva um susto. A bomba dentro dela pode explodir a qualquer minuto. Por isso, é muito útil olhar para nós mesmos nos momentos em que estamos com raiva. Este é o sino destinado a alertar a mente, pois, quando você se vê dessa maneira, sente vontade de fazer alguma coisa para se modificar. Você sabe o que precisa fazer para melhorar sua aparência. Não são necessários cosméticos, basta respirar profunda e tranqüilamente, relaxar e sorrir conscientemente. Se você conseguir fazer isso uma ou duas vezes, sua aparência ficará mais bonita. Olhe-se simplesmente no espelho, inspire com calma, solte o ar sorrindo e você sentirá um grande bem-estar.

Como já disse, a raiva é um fenômeno psicológico, mas está estreitamente ligada a elementos biológicos e bioquímicos. Ela faz os músculos ficarem tensos, mas quando você sorri abertamente começa a relaxar e a raiva diminui. O sorriso permite que a energia da plena consciência nasça em você, deixando-o abraçar a raiva.

Antigamente, os servos dos reis e das rainhas sempre tinham consigo um espelho para verificarem sua aparência quando o monarca recebia um visitante. Experimente fazer isso. Carregue com você um espelho e mire-se nele para ver qual o seu estado. Depois de inspirar e expirar algumas vezes, sorrindo para si mesmo, a tensão será substituída pelo alívio.

A raiva é como um bebê que grita, sofre e chora. Ele precisa que a mãe o abrace. Você é a mãe do seu bebê - a sua raiva. No momento em que começa a praticar a respiração consciente, você possui a energia de uma mãe para embalar e abraçar o bebê. Abraçar a raiva, inspirar e soltar o ar já é suficiente. O bebê sentirá um alívio imediato.

Todas as plantas são nutridas pela luz do sol, e todas são sensíveis a ela. Qualquer vegetação que é abraçada pela luz do sol passa por uma transformação. De manhã, as flores ainda não se abriram, mas, quando o sol aparece, sua luz abraça as flores e tenta penetrá-las. A luz do sol é formada por minúsculas partículas chamadas fótons. Estes penetram gradualmente na flor, um por um, até que muitos conseguem chegar do lado de dentro. A flor então deixa de resistir e se abre para a luz do sol.

Do mesmo modo, todas a formações mentais e fisiológicas existentes em nós são sensíveis à plena consciência. Se esta estiver presente, abraçando seu corpo, ele se transformará. Se a plena consciência estiver presente, abraçando sua raiva ou seu desespero, estes também serão transformados. De acordo com o Buda e segundo a nossa experiência, qualquer coisa que receba o abraço da plena consciência passará por uma transformação.

A raiva é como uma flor. No início, você pode não compreender a natureza da sua raiva ou por que ela se manifestou. Mas, se você souber como abraçá-la com a energia da plena consciência, ela começará a se abrir. Para gerar a energia da plena consciência e abraçar a raiva, você pode ficar na posição sentada, acompanhando mentalmente sua respiração, ou praticar a meditação andando e concentrando-se em cada passo. Depois de dez ou vinte minutos, a raiva terá se aberto para você e, de repente, você verá sua verdadeira natureza. Ela pode ter surgido apenas por causa de uma percepção errada ou da falta de habilidade de alguém que não tinha a intenção de lhe causar sofrimento.

Para que a flor da raiva se abra, você precisa manter a plena consciência durante um certo período de tempo. É como quando se cozinha batatas: você coloca as batatas na panela, tampa a panela e a põe no fogo. Mesmo que a chama esteja muito alta, se você desligar o fogo passados cinco minutos, as batatas não estarão cozidas. Você precisa manter o fogo aceso pelo menos durante quinze ou vinte minutos para as batatas cozinharem. Depois disso, você destampa a panela e sente o delicioso aroma das batatas cozidas. A raiva é assim. Ela precisa ser cozida. No início, ela está crua. Você não pode comer batatas cruas. É muito difícil gostar da raiva, mas, se você souber cuidar dela, souber cozinhá-la, a energia negativa da raiva se transformará na energia positiva do entendimento e da compaixão.

Você é capaz de fazer isso. Não é algo que somente um Grande Ser possa fazer. Você também pode. Você é capaz de transformar o lixo da raiva na flor da compaixão. Muitos conseguem fazer isso em apenas quinze minutos. O segredo é continuar a prática da respiração consciente, a prática do andar consciente, gerando a energia da plena consciência a fim de abraçar a raiva.

Abrace a raiva com bastante ternura. Ela não é sua inimiga, ela é seu bebê. Ela é como seu estômago ou seu pulmão. Quando tem algum problema no pulmão ou no estômago, você não pensa em jogar o órgão fora. O mesmo acontece com relação à raiva. Você a aceita porque sabe que pode cuidar dela. Você é capaz de transformá-la numa energia positiva. O jardineiro orgânico não pensa em jogar fora o lixo. Ele sabe que precisa do lixo, pois é capaz de transformá-lo em adubo composto, para que este possa novamente se transformar em alface, pepino, rabanete e flores. Ao praticar os ensinamentos, você é uma espécie de jardineiro, um jardineiro orgânico.

Tanto a raiva quanto o amor possuem uma natureza orgânica, o que significa que ambos podem mudar. O amor pode se transformar em ódio. Você sabe muito bem disso. Muitos de nós começamos os relacionamentos com um amor muito intenso. Tão intenso que acreditamos que não conseguiremos sobreviver sem nosso parceiro. No entanto, se não estivermos plenamente conscientes, um ou dois anos são suficientes para que o amor se transforme em ódio. Então, na presença do nosso parceiro, nós nos sentimos muito mal. Viver juntos se torna impossível, e a única saída passa a ser o divórcio. O amor se transformou em ódio, nossa flor virou lixo. Mas, com a energia da plena consciência, você pode olhar para o lixo e afirmar: "Não estou com medo. Sou capaz de transformar o lixo novamente em amor."

Se você enxergar em si mesmo os elementos do lixo, como o medo, o desespero e o ódio, não entre em pânico. Na qualidade de um bom jardineiro orgânico, de uma pessoa que pratica bem os ensinamentos, você tem condições de enfrentar essa situação: "Reconheço que existe lixo em mim. Vou transformar esse lixo num adubo composto capaz de fazer meu amor reaparecer."

Aqueles que têm confiança na prática da plena consciência não pensam em fugir de um relacionamento difícil. Quando você conhece e pratica as técnicas da respiração consciente, do andar consciente, do sentar consciente e do comer consciente, você consegue gerar a energia da plena consciência e abraçar sua raiva ou seu desespero. O simples fato de você acolhê-los e abraçá-los já lhe trará alívio. Depois, sem afrouxar o abraço, você pode se dedicar à prática de examinar profundamente a natureza da sua raiva. A prática, portanto, encerra duas fases. A primeira envolve o abraçar e o reconhecer: "Minha querida raiva, sei que você está presente, estou cuidando muito bem de você." A segunda fase consiste em contemplar profundamente a natureza da sua raiva para ver como ela surgiu.

Você precisa ser como a mãe que presta atenção ao choro do bebê. Se a mãe está trabalhando na cozinha e ouve o bebê chorar, ela pára qualquer coisa que esteja fazendo e corre para confortar seu filho. Ela pode estar preparando uma ótima sopa, mas nada é mais importante do que o sofrimento do bebê. O surgimento da mãe no quarto do bebê é como a luz do Sol, porque ela está repleta do calor do amor, do cuidado e da ternura. A primeira coisa que ela faz é pegar o bebê e abraçá-lo com carinho. Quando a mãe abraça o bebê, sua energia penetra nele e o acalma. É exatamente isso que você precisa aprender a fazer quando a raiva começar a se manifestar. Você tem que abandonar tudo que estiver fazendo, porque a tarefa mais importante que você tem diante de si é se voltar para dentro e tomar conta do seu bebê, a raiva. Nada é mais urgente do que cuidar bem do seu neném.

Você se lembra que, quando era criança e tinha febre, mesmo que lhe dessem aspirina ou algum outro remédio, você só se sentia melhor quando sua mãe punha a mão na sua testa escaldante? A sensação era tão boa! A mão dela parecia a mão de uma deusa. Quando ela o tocava, você sentia um grande frescor, amor e compaixão entrando no seu corpo. A mão da sua mãe é a sua própria mão. A mão dela ainda estará viva na sua se você souber como inspirar e expirar, se você ficar plenamente consciente. Depois, ao tocar sua testa com sua própria mão, você perceberá que a mão da sua mãe ainda está presente, tocando sua testa. Você receberá a mesma energia de amor e ternura.

A mãe segura de forma consciente o bebê, totalmente concentrada nele. O bebê sente um certo alívio porque está sendo abraçado com ternura pela mãe, como a flor que é envolvida pela luz do sol. Ela abraça o bebê não apenas porque o ama, mas também para descobrir o que há de errado com ele. Como ela é uma verdadeira mãe, extremamente talentosa, consegue descobrir rapidamente o problema do neném. Ela é especialista em bebês.

Na qualidade de praticantes dos ensinamentos, temos que ser especialistas em raiva. Temos que cuidar da nossa raiva e praticar até compreender a sua origem e o seu funcionamento. Ao abraçar conscientemente o bebê, a mãe descobre a causa do sofrimento dele e fica muito mais fácil para ela corrigir a situação. Se o bebê está com febre, ela lhe dará um remédio para baixar a febre. Se estiver com fome, ela o alimentará, e se a fralda estiver molhada, ela a trocará.

Como praticantes, é exatamente isso que fazemos. Abraçamos conscientemente nosso bebê - a raiva - para obtermos alívio. Continuamos a praticar a respiração consciente e o andar consciente, como uma canção de ninar para a nossa raiva. A energia da plena consciência penetra na energia da raiva, exatamente como a energia da mãe penetra na energia do bebê. Não existe nenhuma diferença. Se você souber sorrir, praticar a respiração consciente e a meditação, concentrando-se nos seus passos, é certo que sentirá alívio em cinco, dez ou quinze minutos.

No momento em que você sente raiva, você tem a tendência de acreditar que seu sentimento foi criado por outra pessoa. Você culpa esta pessoa por todo o seu sofrimento. Mas, ao fazer um exame profundo, você talvez perceba que a semente da raiva que existe em você é a principal causa do seu sofrimento. Muitas outras pessoas, quando confrontadas com a mesma situação, não ficariam com a raiva com que você fica. Elas ouvem as mesmas palavras, presenciam a mesma situação, mas são capazes de permanecer mais calmas, sem se deixarem afetar tanto pelas circunstâncias. Por que você se enraivece com tanta facilidade? Talvez isso aconteça porque a semente da raiva é muito forte, e como você não praticou os métodos destinados a cuidar bem da raiva, a semente dela pode ter sido regada no passado com excessiva freqüência.

(Do livro “Aprendendo a lidar com a raiva” - Thich Nhat Than)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Não acredite em ninguém!




"Não se apresse em acreditar em nada, mesmo se estiver escrito nas escrituras sagradas. Não se apresse em acreditar em nada só porque um professor famoso que disse. Não acredite em nada apenas porque a maioria concordou que é a verdade. Não acredite em mim. Você deveria testar qualquer coisa que as pessoas dizem através de sua própria experiência antes de aceitar ou rejeitar algo."

(Siddartha Gautama, o Buddha, Kalama Sutra 17:49)

Sabedoria



- Mestre, como faço para me tornar um sábio ?

- Boas escolhas.

- Mas como fazer boas escolhas ?

- Experiência - diz o mestre.

- E como adquirir experiência, mestre ?

- Más escolhas.

Abrindo as janelas...




Os propósitos desta e de todas as postagens é revelar a mim mesma o Caminho.
Como uma janela para o meu interior, janela como aquela que permite a visualização do que está dentro de nós e que permite que o vento varra todas as coisas...

Como não existe o Eu, colha destes frutos, se quiser. O chá, mesmo estando na xícara, no assoalho, no pano, ainda é chá.

Gassho